terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Sobre a vida dos Celtas – IV






Para leitura do episódio anterior: Sobre a Vida dos Celtas III

Sobre a vida dos Celtas – IV


Por Charlotte von Troeltsch e Suzanne Schwartzkoff


Anteriormente: Seabhac Habicht passa a Padraic a ordem de proibição como exigência do alto da prática do sacrifício humano, no culto dos druidas, e ainda recebe em sua cabana um estranho acompanhado de uma moça (Meinin), como oferta para casar...


Assim Seabhac ficou sentado sozinho ao fogo e refletia. Quão rápido e de que maneira singular seu pedido havia sido ouvido. Ele podia realmente se alegrar, pois se a própria Brigit lhe havia deixado conduzir a moça, então esta também era a mulher certa para ele.
Ele abriu então o feixe (o dote recebido) que continha uma quantidade de ouro bruto, um pouco de prata e inúmeras pedras preciosas e pérolas. Eram haveres principescos! Cuidadosamente ele guardou o tesouro novamente no feixe enterrando-o sob seu leito, no solo. Ninguém o havia visto nem iria procurar por ele.
No dia seguinte Muirne não podia contar-lhe o suficiente de quão maravilhosamente bela era a moça Meinin. Sua fala era de fato parecida com a deles, contudo, distinguia-se um pouco, de forma que ela, Muirne, não podia compreender a moça. Também Sile não entendia tudo o que a bela hóspede dizia. Contudo, a moça era muito amável e procurava auxiliar Sile.

Seabhac, porém, tinha muito que fazer com a escolha dos homens que ele deveria mandar para a forja na floresta, para Gobban. Ele tinha de entregar-lhes metais e pedras nobres, confiando-as com eles. Então, havia também toda sorte de coisas para apaziguar. Com tudo isso ele quase esqueceu a futura esposa. Ela estava-lhe segura, já que havia sido determinada para ele. Ele iria vê-la tão logo tivesse chegada a hora para isso.
Muirne balançava a bela cabeça perante tanta indiferença. Na sua época os homens haviam sido diferentes, dizia ela sempre e sempre de novo para si.
Seabhac havia refletido que o melhor seria se ele contasse a alguns homens a respeito da modificação da festa, lhes estimulando a passarem adiante a notícia. Ele lhes anunciou que desta vez o sacrifício ficaria excluído por ordem do Pai Eterno. Portanto, não seria necessária que fosse empreendida uma cruzada para captura de presos. Aí os homens resmungaram. Fazer presas sempre havia sido uma grande modificação do dia a dia deles, além disso, com os presos, sempre eram trazidas também toda a sorte de coisas, as quais podiam dividir depois da volta. Agora isto não deveria mais ser assim? Isto não lhes agradava.
Seabhac, porém, irou-se com eles que não tinham de resmungar diante das ordens do Pai Eterno. Eles tinham que se calar e só obedecer. Então, eles se encolheram e silenciaram. Ele, porém, refletiu: ‘como é que se deu dessas pessoas tão obedientes ousarem resmungar’. “Lug, o mal, deve ter se aproximado de suas almas” disse Seabhac à meia voz. “Eu tenho de pedir a Silberhand um meio para manter Lug distante.”

Alguns dias mais tarde Colm, o marido de Sile, voltou com ricas presas. Era costume que as presas da caçada sempre fossem divididas com os vizinhos. Tendo se esgotado a provisão, então sempre um ou outro dos homens saía para tentar a sua sorte. Agora, porém, não havia mais nenhum lugar para Meinin na cabana de Sile. O que deveria acontecer?
Seabhac encontrou Sile junto a Muirne. Elas confabulavam entre si, onde poderiam colocar a bela moça estranha. Por toda a parte havia homens nas cabanas e só existia uma única mulher que vivia sozinha, esta, porém, devido ao seu gênio mal, era temida.

— “Meinin tem de se casar” disse Muirne finalizando.

— “Isto eu também já lhe disse” concordou Sile. “E Eu também já tenho um homem para ela. O pescador Burke é um homem vistoso e suficientemente abastado, a fim de poder desposar uma nobre mulher, a qual, provavelmente, ele ainda poderia ter totalmente de graça. Ou será que tu sabes a quem deve ser pago o preço de compra?” perguntou ela ao irmão, o qual a olhou admirado.

— “E em mim, tu não pensas, irmã?” perguntou ele cheio de censura. “Eu não tenho esposa e estou mais em condições de desposar uma moça nobre do que o pescador Burke.”

As duas mulheres tiveram dificuldade para esconder sua alegria. Exatamente isso elas haviam planejado ouvir. Agora tudo acontecia como elas haviam desejado. Elas achavam que podiam atribuir isso à sua esperteza e não sabiam nada a respeito da influência de Brigit.

Seabhac, porém, foi juntamente com Sile à cabana dela e colocou-se à frente de Meinin. Ele havia imaginado uma moça amável, contudo com tal beleza ele não havia esperado. Ele estava como que ofuscado.
Ele queria ficar sozinho com ela ao desposá-la. Então pensou em contar tudo a ela, mas ao invés disso, ela que começou a falar com voz suave e agradável. Ele podia compreendê-la muito bem. Ela lhe disse que era a filha do príncipe Fionn e que seu país ficava bem distante. O servo de seu pai lhe havia salvado e ela havia ido voluntariamente com ele, pois Brigit lhe havia prometido cuidar dela. Depois ela deveria desposar um homem que, igual ela, acreditasse no Pai Eterno. Unida então com ele, eles poderiam se esforçar executando as ordens do Pai Eterno, para que cada vez mais almas no povo se tornassem realmente criaturas Dele. Por isso ela também estava disposta a desposar Seabhac e se tornar para ele uma boa esposa.
Então ele não necessitava esclarecer mais nada. Alegremente a conduziu à sua cabana, levando-a para dentro como era costume. Lá dentro Muirne havia adornado o local de dormir e preparado uma refeição simples. Ela cumprimentou a nova filha e então se retirou alegremente para o seu quarto, que, igual aos dos servos, era construído mais atrás.
Seabhac e Meinin, contudo, encontravam-se sentados junto ao fogo e olhavam para as chamas que se extinguiam lentamente. Eles não sabiam o que deviam falar um com o outro. Então, de repente, Brigit se encontrava lá entre eles, e olhava de um para o outro. Assim até quando ela começou a falar:

— “Vosso matrimônio é o primeiro que será abençoado pelo Pai Eterno, pois obedecendo à ordem Dele vós o consumastes. Vós dois sois escolhidos para serem verdadeiros servos do Pai Eterno. Vós dois podeis ver a nós, Seus servos (enteais), de modo que tudo vos seja facilitado. Mostrai aos seres humanos o que significa levar uma vida dentro dos Mandamentos do Pai Eterno. Jamais pensai em vós próprios. “Sede incansáveis e ativos no servir ao Pai Eterno, então vos tornareis bem-aventurados já aqui mesmo sobre a Terra.”

Brigit dirigiu-se a Meinin e tocou seus olhos e seus lábios.

— “Tu deves receber o dom de poder cantar e dizer em palavras sonantes aquilo o que teus olhos vêem e o que o teu coração sente. Ensinai as moças de vossa tribo a fazer o mesmo. Isso as manterá puras se utilizarem da dádiva apenas para a honra do Pai Eterno. Abençoadas sejam também as tuas mãos. Tu poderás curar doente e consolar os que estiverem tristes.”

Comovidos, ambos haviam ouvido. Rico, reconhecidamente rico, Seabhac se imaginava com esta agraciada mulher. Nos dias seguintes, porém, ele passou a notar de forma cada vez mais nítida que tesouro ele possuía em casa.

Muirne havia mantido a cabana limpa e cuidado para que houvesse comida suficiente. Meinin, porém, sabia envolver tudo com beleza. As comidas mais simples ela preparava de tal forma que Seabhac mal ousava tocá-las.

(continua)

Texto da série especial denominada: Escritos Valiosos

Personagens e fatos processados dentro do contexto deste episódio:

Seabhac, Habicht: Se trata do personagem de destaque nos acontecimentos, que se situa como soberano de uma comunidade celta.

Muirne: velha mãe do príncipe dos celtas Seabhac, Habicht  

Nuado Silberhand: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da justiça, cura e renascimento; irmão de Dagda e Dian Cecht.
Pelo direcionamento dado a este enredo pelas autoras, este personagem se trata de um enteal de certa forma importante em sua ligação com os seres humanos.

Goban: deus ferreiro dos Tuatha Dé Danann; com Credne e Luchtain formavam o "Trí Dé Dana"; fez as armas que os Tuatha usaram para derrotar os Fomorianos. Equivalente a Goibniu e Govannon (galês).
Na mitologia irlandesa Goibniu ou Goibhniu era um dos filhos de Brigid e Tuireann e ferreiro dos Tuatha Dé Danann. Ele e seus irmãos Creidhne e Luchtaine tornaram-se conhecidos como os Trí Dée Dána, "os três deuses de arte", que forjaram as armas que os Tuatha Dé usaram para combater os Fomorianos. Suas armas eram sempre letais e seu hidromel concedia invulnerabilidade a quem o bebesse.

Padraic: É o nome principal do ancião que surge neste episódio como druida da comunidade celta, sendo, portanto um personagem influente de seu meio.

Brigit, é a Deusa dos ferreiros, dos artistas, das artes e da cura. Sendo uma Deusa solar, ela é padroeira do fogo e de tudo que envolva Inspiração e Artes. É uma Deusa tríplice, tendo três faces, a poetisa, a médica e a ferreira.